(…)Mas nosso senhor foi-lhe dando saúde e foi ficando tão bem que em tudo o resto estava são; só que não podia apoiar-se sobre a perna e por isso era obrigado a ficar na cama.
E porque era muito dado a ler livros mundanos e falsos, que se costumam chamar-se cavalaria, sentindo-se bem, pediu que lhe dessem alguns para passar o tempo, mas na casa não se encontrou nenhum daqueles que ele costumava ler e por isso deram-lhe uma Vita Christi e um livro da vida dos Santos em língua pátria.
Lendo-os muitas vezes, algum tanto se ia afeiçoando ao que ali encontrava escrito. Mas, parando de os ler, algumas vezes ficava a pensar nas coisas que tinha lido, e outras vezes pensava nas coisas do mundo nas quais costumava pensar antes.
E de muitas coisas vãs que se ofereciam, uma se apossara tanto do seu coração, que ficava logo embebido a pensar nela duas, três ou quatro horas sem se dar conta, imaginando o que havia de fazer em serviço de uma senhora, os meios que usaria para poder ir à terra onde ela estava, os motes e as palavras que lhe diria, os feitos de armas que Faria ao seu serviço. E ficava tao envaidecido com isso, que não via como era impossívelalcançá-lo, porque a senhora não era de vulgar nobreza: nem condessa nem duquesa, mas o seu estado era mais alto que qualquer destes.
7. Contudo, nosso Senhor o socorria, fazendo com que a estes pensamentos sucedessem outros que nasciam das coisas que lia. Porque, ao ler a vida de nosso Senhor e dos santos, parava a pensar, raciocinando consigo próprio: – E se eu fizesse aquilo que fez S. Francisco e aquilo que fez S. Domingos? – E assim discorria por muitas coisas que achava boas, propondo-se sempre a si mesmo coisas difíceis e importantes, e ao faze-lo parecia-lhe encontrar em si facilidade de as levar a cabo.
Mas todo o seu discorrer era dizer a si próprio: – S. Domingos fez isto; também eu tenho que faze-lo. S. Francisco fez isto; também eu tenho que faze-lo -. Estes pensamentos duravam muito tempo, e depois de se intrometerem outras coisas, apareciam os do mundo mencionados antes, e também neles se detinha muito tempo. E esta sucessão de pensamentos tao diversos durou bastante tempo, detendo-se sempre no pensamento que voltava, quer fosse das façanhas mundanas que desejava fazer, quer outras coisas de Deus que se ofereciam a fantasia, ate que sentindo-se cansado deixava tudo isso e ocupava-se doutras coisas.
8. Notava, ainda, esta diferença: quando pensava nas coisas do mundo, senti a um grande prazer; mas quando depois de cansado as deixava, sentia-se árido e descontente. E quando pensava ir a Jerusalém, descalço e comendo só ervas, e em fazer todos os mais rigores que via que os santos tinham feito, nãosó sentia consolação quando estava nesses pensamentos, mas também depois de os deixar, ficava contente e alegre.
Mas não reparava nisso nem se detinha a ponderar esta diferença, ate que uma vez se lhe abriram um pouco os olhos e começou a maravilhar-se desta diferença e a fazer reflexão sobre ela. Compreendeu então por experiencia que de uns pensamentos ficava triste e de outros alegre, e pouco a pouco veio a conhecer a diversidade dos espíritos que se agitavam: um do demónio e o outro de Deus.
[Foi esta a primeira reflexão que fez nas coisas de Deus. E depois, quando fez os Exercícios, daqui começou a tomar luz para o que diz sobre a diversidade de espíritos].
(Autobiografia de Santo Inácio de Loiola, tradução António José Coelho SJ)
Texto de apoio:
Lucas 19, 1-10 (Zaqueu)
Jesus que vai a passar vendo Zaqueu torna esse momento num encontro. O momento deixa de ser uma passagem para ser um encontro. Deste encontro resulta a conversão de Zaqueu que é voluntária e espontânea não tendo sido pedida por ninguém.
TPC – Pontos de Reflexão
A minha conversão:
– Como?
– Porquê?
– Onde?
– Quem?
– A minha conversão podendo ter acontecido num dia concreto é também um desafio diário. Olho para o momento especial da minha conversão tendo presente que a minha conversão acontece também hoje. Nesse sentido preciso de revitalizar a minha conversão.
– A minha conversão não é só reagir à passagem de Deus, é também entrar na lógica de um Deus que dá e assim eu dou também.
Partilharemos o resultado desta experiência.
Deixe uma resposta